segunda-feira, 19 de março de 2007

No meio da cara, no meio do metrô

Quase seis horas, de uma tarde bem chuvosa, num metrô abarrotado de pessoas. Ao meu lado está um avô com dois netos. Um cara cede o lugar para o senhor acomodar o garoto, que pedia insistentemente: “Vô, me coloca no braço porque o metrô ta cheio!”. Ele tem uns três anos. A sua irmã, de seis a sete, no máximo, prefere ficar de pé. Porque parece que as crianças acham mesmo o máximo seguir viagem de pé no metrô, como gente grande.

A certa altura, Luíza, a irmã, começa a implicar com o garoto, Diogo. De imediato me identifico com ela. Não era eu quem implicava com o meu irmão, também mais novo e de nome bem parecido, Diego? As brincadeiras são bem inocentes e têm o único propósito de irritar o caçula: “Vou pintar suas unhas de rosa, que é cor de menina” – e finge pintar as unhas dele com um esmalte imaginário -, “Me dá sua mão, prometo que não vou bater” – e dá uma tapinha bem de leve no irmão. E ele embravece. E algumas pessoas riem dos dois.

Mas o avô não esta gostando muito de todo o alvoroço da neta, agora sentada no seu colo. “Pára!”, grita a primeira vez. “Pára ou eu te dou uma pancada!”, ameaça ainda mais firme... E dá! Mete-lhe a mão espalmada na cara, produzindo uma espécie de barulho alto e seco, que ultrapassa o dos trilhos do metrô. Esbofeteia a criança, no meio de todos. Simples assim. Luíza chora, leva às mãos ao rosto machucado e chora mais um tanto, incansável. E as pessoas viram os rostos, para não ver. Fico anestesiada. Meio hipnotizada e descrente.

Então a menina tira as mãos do rosto, que é pra enxugar as lágrimas. E parece que ela cansa. Seu choro agora parece mais resignado. É quando escuto seu irmão falar ao avô, em tom aflito: “Vô, a Luíza está sangrando!”. E, sim, ela está sangrando! O rosto inteiro está tomado de sangue, do queixo à testa, e demoro alguns instantes pra perceber que sai do nariz. O homem não demonstra nenhum tipo de remorso. Limita-se a dizer, com impaciência: “Eu avisei pra ela: pára, pára. Ela não parou”. “Mas tá sangrando, vô”, insiste Diogo. “Depois eu lavo”, encerra.

O que a gente deve fazer quando presencia uma cena dessas? Bater boca, tomar satisfação? Denunciar? Denunciar a quem naquele emaranhado de pessoas que desembarcam do metrô? É isso que vou procurar saber. E volto para contar.

Dizem que a omissão é a pior forma de violência. E eu fui omissa. Aquela pancada foi na minha cara também. Só que doeu mais na dela.

4 comentários:

Anônimo disse...

Sabe Filha, um dia esse tapa vai doer muito mais nesse "avô", e vai sagrar muito. Só que o sague não será derramado pelo nariz e sim pelo coração que será dilacerado pela dor do remorso. Pode até demorar mas quando a consciência dele despertar... Coitado!

(em: 19/03/2007 18:46)

Anônimo disse...

coselho tutelar ou delegacia de menores. Vc, como uma do povo, podia dar voz de prisão imediata ao avô, levando-se em conta as medidas cabíveis, se ele for idoso e estiver resguardado pelo estatuto do idoso. Ou podia dar uma porrada no véi e descer na próxima integração. Ou ainda dar outra na menina, que não ficou quieta e mereceu derramar cada gota de sangue. Em suma, há várias possibilidades.

(em: 20/03/2007 13:32)

Anônimo disse...

eu saco a revista e vi o concurso, mas nem me interessei em saber como era. mas como tu falou, vou lá ver melhor.

(em: 20/03/2007 13:33)

Anônimo disse...

mi mélo, fui ver o concurso. é um absurdo que vc tenha dito que se parece comigo! Estou profundamente chateado com vc. Não vou tolerar esse tipo de agressão, ainda mais levando em conta que meu tio é ventríloquo.

(em: 20/03/2007 18:14)