sexta-feira, 6 de junho de 2008

Se ele passar por aqui de novo...


Já estava na fila do caixa quando ele me abordou. Um homem humilde e humilhado. Cabeça baixa, rosto magro, camisa desbotada azul, perguntou se eu poderia comprar arroz e feijão pra ele. O saco de 5kg de arroz, três sacos de feijão e duas latas de óleo de soja já estavam no carrinho.

Ofereci a ele dez reais, achando (sem-noção que sou) que daria para aquelas compras. Ele aceitou, meio sem jeito, e disse que traria a nota do caixa pra mim (não precisa, moço!). Desejei boa sorte, comecei a passar as compras e a sentir um mal-estar enorme. Iogurte, mel, azeite, comida congelada, flores. Eu estava comprando flores, gente, e o moço não tinha sequer pra comprar o arroz e feijão. O que, convenhamos, é a crua realidade – ou vocês ainda não se deram conta?

Bom, ele continuava no supermercado, a cabeça permanecia baixa e parecia mais angustiado, abordando discretamente um e outro. É claro que os dez reais não lhe bastariam. Se ele passar por aqui de novo... Antes que a mocinha do caixa terminasse de fechar minhas compras, pedi pra acrescentar as dele.

E foi aí que soube da sua história, que já sabia não ser nada feliz. A filha estava trabalhando no semáforo, vendendo balas (olha o trabalho infantil de novo). Ele chorou enquanto contava. Não, não eram lágrimas de crocodilo. Permaneci impassível.

A minha mulher está doida, moça. A gente perdeu um filho agora na Páscoa. Ele caiu do quinto andar e a minha mulher endoidou. Só vive na igreja. Todo dinheiro que ganha ela leva pra igreja e eu estou desempregado. A sorte é a minha cunhada, que me ajuda muito. Porque ela (a esposa) esqueceu que ainda tem quatro filhos pra criar e estão todos largados. A mulher ali na outra fila me chamou de “mindingo”. Às vezes eu só tenho vontade de beber. Graças a Deus que a senhora me ajudou. Muito obrigado, vai dar até pra comprar a fralda pro meu menino (sorrindo, referindo-se aos dez reais). Que Deus abençôe a senhora, mas eu tenho que ir porque a minha menina tá lá no sinal sozinha.

Naquela noite fui pra casa me sentindo uma falsa heroína, porque o gesto não me exigiu nada, nenhum sacrifício. Um débito no cartão. Eu não mudei a vida dele, só acalmei o seu estômago por uma semana, talvez. Mas e depois, como é que vai ser?
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