quarta-feira, 1 de julho de 2009

Só que a periferia mora em mim

Eu posso até sair da periferia - sim, para aqueles que ainda não sabem, tou por lá - mas ela não há de sair de mim, sabe como é? E ela foi fundamental pra mim. Como pessoa e como jornalista - me obrigou a manter os olhos abertos e os pés no chão, mesmo me custando abrir mão do meu mundo lúdico, colorido e borboleteante por diversas vezes.

Sim, fiquei sem perspectiva inúmeras vezes. Sim, entrei em depressão e cheguei a culpar o falecido (que Deus o tenha) diversas vezes por todas as dificuldades que eu tive que passar - pra quem acompanhou de perto a história, bem, ele não foi legal... pagou seis meses de aluguel e mensalidade da pós, é verdade (mas também é verdade que me acrescentou uma cláusula dizendo mais ou menos assim "ambos abrem mão da pensão alimentícia por terem capacidade de se sustentar" ou uma baboseira dessas, quando, na verdade, estava era bem desempregada e sem condições nenhuma de "me sustentar"). Assinei. Dane-se. Também é verdade, é sim, que ele foi completamente esquecido e até mesmo perdoado, porque o meu coraçãozinho tem mais é com quem se ocupar, creem? Deixou de me fazer mal antes mesmo de assinarmos a bendita da separação, o "falecido" - que, por causa das circunstâncias, foi motivo até de festa. Não o quero mal. Cresci.
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E tive crises e crises de choro, sim, por essas e outras, deixei a família desesperada e quase que o movimento "pelo amor de Deus, volta pra casa, assim você vai adoecer, volta, por favor!" teve sucesso. Pensei: "não, eu não preciso passar por isso... a minha casa tá me esperando em João Pessoa, gente!". Mas a ideia foi refutada, oras: "Não! E o meu nariz empinado? Preciso sim! Parar agora por causa de uma coisinha mínima chamada dinheiro? Ah vá!".
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Fui tratada como uma princesa por lá, nesse meu tempo de periferia - não se enganem, não foi preciso um castelo. E com tantas regalias que fico até sem jeito. Por pessoas com as quais eu precisava conhecer, eu precisava conviver. Tive essa honra. Fui acolhida pelas mesmas mãos e o mesmo coraçãozão que cuidou da minha mãe quando ela era criança.
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A cama forrada com vários cobertores, prontinha pra me esquentar, era só entrar. A janela fechada, pra não entrar vento frio. Uma sopinha de legumes, quando eu fiquei histérica porque precisava emagrecer - agora desencanei, é questão de mais tempo e menos ansiedade. Docinhos sem chocolate enquanto a minha promessa durou. E leite quentinho com chocolate depois que ela acabou. Chá e mel para gripe e tosse. A espera acordados enquanto eu não chegava em casa, como quem espera uma filha ou uma neta adolescente - e, muitas vezes, cheguei bem tarde. Vocês ainda vão conhecer essas pessoas, mas ainda não é a hora.
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São tantas coisas pra contar - boa parte delas nem um pouco divertidas ou bacanas - que daria um livro. Aliás, esse post é o primeiro passo pra me conscientizar que eu preciso escrever, materializar essa experiência e não deixar que ela padeça em algum lugar dessa minha cabecinha oca. Até pensei em mudar o tema de conclusão da minha pós. Será que rola? Sugestões são muito bem-vindas.
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Agora tá bem perto das viagens diárias acabarem (mentaliza uma ida-e-volta João Pessoa-Recife todos os dias, exceto dias santos, num vagão nada confortável!). E parte dessa angústia ir embora. Parte. Porque, embora o meu prazo no último bairro do extremo-extremo-noroeste de São Paulo esteja expirando (há quem jure que ali já é interior e eu me incluo aí), essa angústia que deve ter nascido comigo e ser uma herança genética fortíssima, passada até a minha quinta geração, não há de me deixar. Uma vez que você dilata as pupilas, que vê de verdade o que se passa nesse mundão, aquilo que jornal não publica e que a gente já nem enxerga ao vivo, não tem mais como fingir que a bagaça não está ali. Não há como, isso é certo.
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A diferença é que agora eu hei de descobrir como lidar com isso. E como dar a minha contribuição. Por mais ridícula que essa ideia me pareça agora. Transformar angústia em ação, que é aquela coisa: de boa intenção, o danado do inferno tá bombando! Quem sabe eu tenha mesmo que me afastar um tanto desse turbilhão maluco que se chama periferia pra enxergar com mais clareza o que a minha pessoa física pode fazer - e o que não está nas minhas mãos. Quem sabe só assim. Porque, de lá, do epicentro, digamos, não tá rolando.

6 comentários:

.ailton. disse...

eu fiquei meio confuso. só consegui entender que vc vai se mudar.

εïз mi disse...

é tudo muito confuso mesmo! e entendeu certo. hei de me mudar, ó!

Rachel disse...

Bom dia,

Pensei muito antes de deixar esse comentário. Não sei como chegará até vc, mas isso não importa agora. Eu só queria dizer que sofri, de verdade, por você e logo depois por mim. Ficamos sem chão em épocas tão próximas. E lendo esse seu texto, fiquei emocionada e feliz. Estamos bem. Nada melhor como o tempo.
beijo,
Rachel( a ex do falecido amigo do seu falecido)

εïз mi disse...

que bom, rachel, que você escreveu. não fazia nem ideia que tivesse acontecido o mesmo contigo.

quando me falaram que iria passar, fiquei bem irritada. acreditei, mas, e enquanto não passa?

bem: aprendemos. estamos bem. melhor até!

Jr disse...

Há muito não me esqueço de lembrar uma verdade inconteste: TUDO PASSA! Tudo passa menos as verdadeiras aquisições da vida que muitos idiotas, de forma idiota (Oh meu! Esperar o que dos idiotas?), acreditam estar no campo do ter. O tempo dá razão à verdade e se encarrega também de dar a oportunidade, a quem conseguir enxergá-la e aproveitá-la, de crescer com as adversidades que, quando acontecem, parecem ser o fim do mundo. Grande engano que só percebemos um pouco mais tarde, quando constatamos o quanto um determinado fato foi importante para nosso amadurecimento pessoal e profissional. Amadurecimento que alguns, às vezes até sem maldade, somente pelo fato de ser em essência uma erva daninha, tenta, numa patética tentativa se parecer melhor do que de fato é, sufocar. Acho até que determinados sofrimentos deveriam ser vistos como as mãos do Jardineiro que retira do jardim a erva daninha cuja proximidade sufoca e impede o crescimento de algo melhor, mais útil, mais puro, com mais perfume, e - infinitamente - com muito mais beleza que ela. E o melhor disso tudo é que - num tempo bem mais curto que pensávamos - sequer lembramos que ela existiu um dia.
Bom! E enquanto a situação está passando? Quando estamos envolvidos num torvelinho de perguntas e questionamentos, com a autoestima abaixo de zero? O que fazer? Primeiro: ter consciência que realmente TUDO PASSA - Tudo mesmo, até as coisas boas passam. Segundo: A substituição de uma pergunta por outra pode ajudar a encontrar as respostas e amenizar aflições que - não raro ao passarmos por elas - concluímos ter sido algo que nos tornou uma pessoa melhor que éramos antes, valorizando o que de fato deve ser valorizado e aproveitando de forma mais inteligente nossas potencialidades para, como diz Osho, CONSTRUIR um sentido para nossa vida. Terceiro: Lembrar que em quaisquer circunstâncias apenas a própria pessoa pode decidir o que vai fazer com os presentes que lhe dão, ou seja, se os aceitam ou o recusam (traduzindo: não há pessoa no mundo que possa, sem sua permissão, fazê-lo, melhor ou pior do que realmente é). Quarto lembrar de lembrar as perguntas do item dois: Em lugar de: Por quê? Pergunte: Para quê?
Puxa escrevi demais (demais no sentido de texto longo)! Também quem mandou os caras do tribunal dizer que agora não precisa mais de diploma para ser jornalista?

εïз mi disse...

precisei ler esse comentário em três etapas, pai! hahaha